sexta-feira, 28 de maio de 2010

Cuidado ao dormir

Dos medos que já senti, o que bate em minha porta com mais frequência chega agora a dormir em minha calçada, seguir meus passos, vigiar meu sono, escurecer meu horizonte...
Senti seu furor cortar meus sentidos ainda muito jovem... foi aos 13 que pela primeira vez ouvi falar seu nome...
- Câncer.

Ninguém nunca sabe ao certo o que isso de câncer significa, até que ele chega, reduz sua família a migalhas... cobre sua vida de insegurança.. "ela vai ou não voltar?"
E te insistem em levar pra escola, afinal de contas sua vida continua.. mesmo que você não esteja comendo e ninguém notou... mesmo que você não esteja mais falando e ninguém notou...
Foram longos 8 meses, meses em que meu pesadelo era estar acordada, e tão só... meu medo dormia na cama ao lado, me beliscava no meio da noite, só pra me fazer sofrer um pouco mais sabendo que não adiantaria gritar por ela.. eu estava só, meu medo e eu.
Por sorte, ou sei-lá-o-que.. ela não era fraca como eu, e o medo não foi um inimigo a altura... Toda dor, sofrimento, cirurgias, erros médicos.. fizeram dela uma mulher ainda mais forte, que voltou pra casa o mais rápido possível e colocou aquele monstro que me aterrorizava pra fora do meu quarto!

Mas ele esperou na calçada...
E foi um ano depois... Ouvi seu nome novamente, golpeando minha cabeça pela segunda vez, e dessa vez pra me tirar de órbita...
Câncer.. no homem mais forte e indestrutivo da terra... e novamente estava eu dormindo sufocada.. tentei me proteger dormindo entre seus lençóis em sua cama vazia... fiz mais orações em uma semana do que em minha vida inteira... antes ou depois..
Dessa vez, o de aparência mais forte não era tão forte pra resistir a fúria que se espalhou rapidamente. Estômago, faringe, rins, pulmão, sangue... 14 dias de internação depois e o homem mais inteligente com quem eu já conversei perdeu completamente a consciência... um tumor, assim como um tiro no cérebro... e ele se foi.


Perder, pela primeira vez perdi.
E me lembro de acordar chorando durante dias seguidos...
Sonhava que meu pai morria, e quando acordava... a cama vazia no quarto ao lado mostrava a verdade... e eu me encolhia no canto, e sentia meu medo sorrindo, rindo, correndo, crescendo em volta de mim.

É esse ainda, o sonho que me assombra,
o que ainda me faz chorar.


"É tão estranho, os bons morrem de câncer..."

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